terça-feira, 24 de agosto de 2010

Explicando o inexplicável


A Santo Amaro a Galope foi até Capivari, a cerca de 100 km de São Paulo, para conhecer os fundamentos da educação equestre. Dentre as lições que aprendemos com o horseman José Eduardo Borba está que o instinto de preservação do cavalo é que comanda suas ações; mas sobre as técnicas de seu trabalho, tentaremos explicar o inexplicável, porque o segredo para ser um “encantador de cavalos” – termo que Borba não gosta - continua uma incógnita!
“Cavalos,
Abençoados sejam todos eles.
Me mantiveram buscando riscos e desafios,
Muitas vezes me frustraram,
Mas sempre me provocaram muito respeito
E, conseguiram me manter completamente apaixonado.”
Jay Dusard


“Algumas pessoas optam por acreditar que o cavalo sempre quer brigar conosco e que precisamos mostrar quem manda por meio da imposição, coerção ou intimidação, como preconiza a equitação convencional. Existem pessoas que promovem a consciência de que o cavalo é um ser vivo que sente, pensa, decide e tem uma capacidade enorme de aprender quando nos dispomos a ensiná-lo a partir de uma relação de respeito mútuo, de parceria e de confiança.”
Esta frase de José Eduardo Borba resume o que hoje se chama educação equestre. Borba também gosta de salientar que acredita que “dentre os animais de nosso convívio, o cavalo talvez seja um dos que mais têm nobreza. Aprender a conviver procurando uma integração de verdadeira parceria, só pode nos melhorar como pessoas”.
Mas o que isso tem a ver com o hipismo? Tudo, porque, como diz Borba, de 64 anos e titular do Projeto Doma há 38, ao repensarmos o conceito de autoridade e entendendo que para os cavalos não é importante saber quem manda, mas o valor da dúvida, obtém-se respostas mais rápidas e consistentes para o objetivo do cavaleiro.
E qual a diferença entre a educação equestre ensinada pelo Projeto Doma e a educação equestre convencional? Mais uma vez a resposta é “tudo”. Os ensinamentos do Projeto Doma, sediado em Capivari, têm por objetivo inspirar as pessoas a se comportarem como verdadeiros horsemen e a melhorarem enquanto seres humanos, acreditando que a relação homem-cavalo “é uma metáfora perfeita para os desafios da vida. Na educação das crianças, na maneira de tocar empresas ou mesmo quando encontramos um parceiro para dançar, onde dois parecem um”, diz Borba, que define seu trabalho como “artístico e filosófico e, para tanto, tem como ponto de partida um pensamento de Jung: ‘Uma das funções da arte é levar as pessoas o mais próximo possível da percepção’”.
Nos cursos ministrados por José Eduardo Borba existe um fim, mas não existe um método específico para se chegar a este fim, porque o que pode servir para um animal às vezes não serve para outro. Partindo deste princípio, o que o horseman ensina aos alunos “é paciência, amor, carinho e energia, porque os animais conhecem e respeitam o homem que deles cuida. Eles sentem vibrações de simpatia e dedicação e retribuem à sua maneira a esta dedicação. É preciso ter consciência e saber separar o que é lazer e o que é trabalho e nunca confundir energia com judiação, carinho com paparicação, ou desobediência com ignorância".
Estas lições de sinergia entre homem e cavalo Borba aprendeu, primeiro, quando morou no Texas, em 1975, e ficou horrorizado com a forma com que os cowboys tratavam os cavalos, e depois quando Pulle (que trabalhava os cavalos de Doda no CHSA), lhe indicou três livros que mudaram sua vida: Os Princípios Fundamentais do Cavalo e do Cavaleiro e My horses, my teachers, ambos de Alois Podhajsky (diretor da Escola de Viena por 30 anos), e Western horsemanship and equitation, de Dwight Stewart. E foi na Califórnia, em 1978, que o horseman brasileiro teve o contato com a equitação da península ibérica, ”de tradição militar, com freios especiais, na qual o cavalo trabalha todo flexionado, muito diferente dos cavalos do Texas”, afirma.
Se a forma de enxergar o cavalo já havia mudado 180° na vida de Borba, depois que ele conheceu os ícones do horsemenship Tom Dorrance, Ray Hunt e Martin Black, o panorama mudou mais ainda. “Esses três diziam que o cavalo tem necessidades internas que vêm de seu instinto de preservação. E não está escrito em nenhum ‘manual de equitação’ que, para o cavalo, em primeiro lugar está a comida, e que ele é um animal de fuga”, diz Borba, “e não tem absolutamente nada para se proteger que não sejam suas patas para fugir. O significado e a importância do instinto de preservação no cavalo são coisas que as pessoas que mexem com o animal precisam ter na cabeça.”
Ou seja, se o cavalo está ansioso, angustiado, inseguro, desconfiado, é o instinto de preservação que vem em primeiro lugar, e nesse momento, como diz Borba, “ele não entende nada, porque sua preservação está em sua frente. O ser humano precisa entender o cavalo para dar-lhe uma vida melhor; fazendo isso, consegue-se qualquer coisa”.
Outro ponto fundamental que quem trata com cavalo precisa saber, segundo Borba, é que o cavalo é um animal de manada, e consequentemente, precisa ter vida social. “Se um cavalo fica isolado dos outros cavalos, ele começa a ficar angustiado, frustrado. Um exemplo é um cavalo que domei para um haras: ele veio na barriga da égua, nasceu fora de estação e foi criado sozinho com a mãe no piquete. Desmamou, recriou e nunca teve contato com outro cavalo. A tarefa mais enlouquecedora da minha vida foi mexer com este cavalo, porque ele não tinha limites, era um maluco, um mimado!”
No Projeto Doma, Borba ensina que tudo em cavalo é o equilíbrio do alívio e da pressão. “É preciso entender o universo do cavalo, e 99% das pessoas se comportam como se o universo do cavalo não existisse, só o do ser humano. Por exemplo, todo mundo diz que cavalo aprende na pressão, mas na verdade, aprende no alívio, a pressão o motiva. Qualquer animal predado gosta de conforto físico, mental e emocional. É a única coisa que interessa para ele. Com o cavalo é a mesma coisa: ele vive o aqui e agora, cada passo dele é uma vida. Um cavalo na natureza anda de 30 a 40 km por dia procurando comida e água, porque, ao contrário de outros animais, não guarda comida para o futuro. Por isso, o cavalo tem uma psicologia muito diferente da grande maioria dos animais. E ele consegue exercer um fascínio enorme nas pessoas. E quem não tem este fascínio não monta a cavalo.”
A grande dificuldade do trabalho realizado por Borba é que não existe uma técnica porque no trato com o cavalo, 100% da técnica são “como” e não “porque”. Ou seja, com o cavalo, tudo o que uma pessoa fizer que faça sentido, ele aprenderá. “É como dançar”, afirma. “O homem não vai conduzir uma mulher por dor ou por intimidação. A mulher o segue por outra razão. Quando há a sintonia, o conjunto cavaleiro-cavalo se sai bem nas provas, dá tudo certo. Mas, normalmente, o cavaleiro imprime um grau de dificuldade em que um dos dois (homem ou cavalo) não está preparado. Por isso, meus cursos focam mais a atenção sobre si do que os de educação de equitação.”
Vale destacar um dos três principais fundamentos que Borba trouxe da Califórnia para o Brasil: nunca se perca emocionalmente com um cavalo. “Essa foi a lição inesquecível que aprendi: sempre digo que o único lugar em que se as pessoas se perdem emocionalmente sem ter de enfrentar as consequências é no curral, porque se você se perde emocionalmente no trabalho, no escritório, na empresa, com um filho, as pessoas chamam a polícia; no curral ninguém pode falar nada e se defender.”
E ensinando as pessoas a desenvolverem a sensibilidade, o timing e o discernimento no universo do cavalo, Borba tem certeza de que as está ajudando a melhorarem a comunicação com os cavalos e a cada uma a libertar o seu espírito.


Texto para a edição n° 6 da revista Santo Amaro a Galope, julho de 2010 - Fotos: Anna Paula Carvalho, para o Clube Hípico de Santo Amaro