terça-feira, 13 de outubro de 2009

Inspiração que vem do Xingu



Residência de veraneio em Barra do Una, litoral de São Paulo, alia as concepções habitacionais dos índios Yawalapíti com as tecnologias construtivas metálicas

Unir tecnologias construtivas modernas aos modelos de edificações indígenas, mais especificamente às da cultura yawalapiti, sem impactar no meio ambiente. Com este objetivo, os arquitetos Newton Massafumi Yamato e Tânia Regina Parma, do escritório Gesto Arquitetura, conceberam a tipologia arquitetônica da Casa Pouso Alto, localizada em uma área de transição entre o Parque Estadual da Serra do Mar e a área mais antrópica do litoral norte paulista em São Sebastião, uma das regiões onde a Mata Atlântica ainda está preservada no Estado de São Paulo.

Oriundos da parte sul do Parque Indígena do Xingu, conhecida como Alto Xingu, os índios Yawalapiti constroem suas casas relacionando-as com as partes do corpo: a parte da frente, por exemplo, corresponde ao peito, os fundos são as costas, a porta é a boca e os pilares são as pernas. O espaço interno normalmente é organizado com área para a cozinha, ao centro fica o depósito de alimentos e em frente à porta de entrada fica o local para receber os visitantes e também para as danças.

Para o projeto da Casa Pouso Alto, os arquitetos se inspiraram nesta distribuição. “Sua envoltória tem uma geometrização obtida por meio da referência da casa dos Yawalapiti e seu ‘miolo’ procura corresponder às necessidades do programa de uma residência de veraneio, utilizando-se técnicas atuais para se criar um espaço contemporâneo.”

Por estar encravada em um local de preservação ambiental, as soluções construtivas precisavam minimizar os impactos à paisagem e, portanto, optou-se por mesclar na estrutura da construção o aço, a madeira e o concreto, em uma edificação suspensa do solo. “Procuramos manter a configuração geomorfológica do terreno existente e, por isso, suspendemos a edificação em relação ao solo e a apoiamos com o menor número de pilares, de modo a garantir a conectividade da fauna e da flora no extrato inferior da mata”, detalham Newton e Tânia Regina. Além de elevarem a casa, os arquitetos a revestiram de vidro, permitindo aos moradores observarem a natureza exuberante da Mata Atlântica. A transparência também está presente no teto e no piso de circulação.

Nessa configuração inspirada na cultura Yawalapiti, o aço entra como solução construtiva por méritos como propriedades estruturais, facilidade de pré-fabricação, transporte e montagem e, por fim, por ser um material reciclável, uma vez que possibilita a reutilização a partir da desmontagem dos elementos. Em aço, a estrutura da casa está apoiada em pilares centrais (oito unidades iguais de altura variável, com dimensões de 600 mm e 200 mm), com balanços atirantados. Trata-se de uma solução coerente com o material empregado, pois permite ter seções adequadas ao comportamento estrutural e ligações facilitadas pelo uso de soldas, parafusos e pinos metálicos.“Usamos materiais que contemplem um futuro sustentável na cadeia produtiva e nas fontes de matéria-prima, tentando atingir os melhores níveis de sustentabilidade possíveis para as edificações”, afirmam os autores do projeto.

Além da estrutura principal, o aço também foi utilizado nas estruturas secundárias de apoio aos pisos, na cobertura de vidro e nas conexões da estrutura de madeira da passarela, que interliga a área social à de lazer, nos chamados inserts. A estrutura de sustentação do piso e da cobertura de vidro é formada por uma grelha de tubos metálicos (mescla de tubos de 100 x 100 x 2,28 mm e 100 x 100 x 2,0 mm) com “vagonamento” em cabo de aço. “Esta solução, facilitada pela possibilidade de enrijecimento das conexões que formam a grelha, resulta numa estrutura leve e que viabiliza os vãos necessários. Já na estrutura de apoio da passarela em madeira, em forma de uma árvore, foram empregadas conexões metálicas muito competentes estruturalmente, o que só foi possível de ser executado graças às características do aço.”

O aço, aliás, convive harmoniosamente com os outros elementos – vidro, alvenaria e concreto – e é aparente nos ambientes internos. “Temos, por exemplo, o posicionamento dos vidros de todo o perímetro de fechamento externo junto à estrutura de aço, com a utilização da madeira como elemento de transição entre um material e outro, uma vez que a madeira, neste caso, possibilitou os ajustes e adequações necessários por ser mais maleável.” As vedações internas foram feitas em blocos de concreto celular, formando paredes autoportantes que não tocam a estrutura em grelha de aço da cobertura.

Devido à proximidade com o mar (cerca de 3 km), o aço escolhido para a estrutura foi o SAC 41, que também recebeu uma proteção adicional em pintura epóxi, especificada para prevenir contra a maresia. No total, foram usadas, aproximadamente, 30 toneladas de aço. Assim como nas casas dos Yawalapiti, cuja temperatura interior é agradável devido aos materiais utilizados, a Casa Pouso Alto foi projetada com elementos espaciais e construtivos que favorecem a ventilação e a iluminação naturais, oferecendo o máximo conforto térmico aos moradores, sem a necessidade de condicionadores de ar durante o verão. A cobertura é em piaçava curva (com sustentação de arcos de 300 X 150 x 4,76 mm, a cada 4,80 m, e terças de 150 x 150 x 3,0 mm, a cada 1,50 m) e uma abertura no topo permite a entrada de luz até um jardim interno, no miolo da construção, composto por vegetação nativa. A iluminação natural se difunde por painéis de vidro da cobertura e das vedações laterais para o interior. E, ainda, o vão formado entre a caixa de vidro e a cobertura de piaçava possibilita a circulação de ar.

A preocupação ambiental desse projeto se estende, inclusive, ao sombreamento, automatizado por meio de sistema de fotocélula na cobertura de vidro, à iluminação artificial, controlada para não interferir no ambiente externo, no uso da água, abundante no local e captada junto ao Rio Pouso Alto, mas restrita ao necessário e devolvida ao meio ambiente por meio de filtragens, sem uso de tratamento químico, e ao esgoto doméstico, filtrado em processos de purificação e cujos resíduos líquidos, após este processo, são infiltrados no solo.

Por estas razões, o projeto de Newton Massafumi Yamato e Tânia Regina Parma recebeu o Prêmio Rino Levi, conferido em 2004 pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil – São Paulo. O aço, sem dúvida alguma, foi um personagem importante para esta premiação.

Ficha técnica

Projeto arquitetônico: Newton Massafumi Yamato e Tânia Regina Parma (Gesto Arquitetura)
Colaborador: Wilson PombeiroÁrea construída: 1.022 m²
Aço empregado: SAC 41
Projeto estrutural: eng. Yopanan C. Rebello
Execução da estrutura metálica: PerlexProteção da estrutura metálica: eng. Alfredo Nogueira (Pint Tecnologia de Pintura)
Execução das peças metálicas das passarelas: Staferro
Execução da obra: Construtora Porfírio e PlazaLocal: Barra do Uma, São Sebastião, SP
Data do projeto: 2000
Conclusão da obra: 2003

Texto publicado na revista Arquitetura & Aço, edição n° 19

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