segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A magia de criar

Dentre as inúmeras atividades diárias, como a de fotógrafa, crafteira para seu lar, mãe, esposa, blogueira, Eva Caroline, que diz ser curiosa, ansiosa, inventadeira, também cria para sua loja virtual La Pomme, que produz peças personalizadas. Como tudo começou e como administra tantas coisas ao mesmo tempo, as leitoras descobrirão nesta entrevista.





Você é fotógrafa profissional, então, como partiu para a decoração e confecção de crafts? É herança genética, ou foi a maternidade que despertou toda esta onda criativa em você? Enfim, conte sua história para as leitoras da Manual Flávia Ferrari.
Sabe que eu não me vejo como fotógrafa profissional? Desde pequena tenho paixão por imagem. Sou filha de fotógrafos, meu pai tinha livros e materiais e eu adorava “futucar”. Mas isso ficou bem-adormecido. Aí, me casei com um fotógrafo e minha paixão pela fotografia despertou.

Não me vejo como fotógrafa profissional porque em nosso estúdio não fotografo efetivamente, mas participo da pré e pós-produção. Antes de iniciar um trabalho, Eder, meu marido, e eu sempre trocamos ideias sobre como vamos conduzir o trabalho, mas quem clica mesmo é Eder.

Para mim o mundo craft é a materialização do meu desejo por um mundo mais leve, colorido e gentil. O gosto por fazer com as mãos sempre foi muito forte em mim. Desde sempre, vivo recortando e colando algo em algum lugar. Quando minha mãe tinha uma fábrica de artefatos em couro, pegava os retalhos para fazer coisas para mim - bolsinhas, roupas e objetos para bonecas... E esta época foi muito importante para a base de conhecimento de processos de produção, materiais e ferramentas que tenho hoje, e faz toda a diferença no meu trabalho atual e nas minhas invenções em casa.
Acredito que a criatividade é algo que se constrói, se exercita, se aprimora. Mas também acho que fatores, não sei se genéticos ou influência do meio em que se vive, facilitam esta construção. Venho de uma família muito arteira: minhas tias e avó materna são supercriativas e prendadas; minha avó cozinha e borda como ninguém; uma tia pinta; a outra escreve divinamente; outra faz tudo isso; e por aí vai. Minha mãe não se enquadra em um rótulo, é daquelas que faz bem tudo o que se determina a fazer. Mas essa coisa craft e criatividade atrelada ao emocional estava bem quietinho, lá dentro dela. Toda sua criatividade era voltada para o mundo prático e profissional. E, então, a inspirei esse desejo de ter uma casa colorida, feliz e feita por ela!
A coisa da decoração também acho que tem a mesma história, caminha junto com meu gosto pelo manual, mas acho que um ponto crucial foi a chegada em Recife, quando me mudei da Bahia, e encontrei uma casa enorme e vazia. Comecei a ter vontade de me sentir pertencente àquele lugar, de me enxergar no lugar que eu vivia. Então, aproveitei minha vontade de fazer com as próprias mãos e coloquei a mão na massa. Criei o blog para registrar as mudanças e foi aí que contaminei minha mãe com o “bichinho do faça você mesmo”!


Quais técnicas você gosta?
Técnicas? (risos)... Ah! Sou uma pessoa de ter uma ideia e colocar a mão na massa. Não sou pessoa de teoria, não me atenho à técnica. Eu faço as coisas que a minha cabecinha arquiteta. Corto MDF e faço móveis; colo papel para revestir as coisas; pinto; uso tecido; costuro (muito pouco)... Faço o que precisar fazer para realizar as coisas que imagino, contanto que não tenha etapas longas e que tenha que esperar muito tempo entre uma e outra. Não tenho paciência (é segredo... risos). Comigo é assim, ou sai na hora ou não sai nunca mais. Então, nada de técnicas, é tudo muito na tentativa e erro, tentativa e acerto.


Existe algum segredo para criar peças que encantam e dão um toque especial em cada cantinho da casa?
O segredo principal é pensar com criatividade, sempre procurar o potencial das coisas além do que elas parecem ser. Pensar no que você gosta, na história das pessoas que vivem naquele ambiente ou que vão usar aquele objeto, nas necessidades daquele espaço que você vai transformar. Peças agregadas com algum significado/sentimento sempre dão vida à casa!


Você também gosta de criar na cozinha?
Não! Definitivamente, não! Cozinha é um lugar que vou por obrigação e acho que por isso não consigo criar uma relação de prazer com ela (só se for para comer!). Dizem que cozinho bem e volta e meia faço uma coisinha diferente, mas se puder escolher entre cozinhar e pintar uma parede, teremos paredes pintadas e pratos vazios!


Como surgiu a loja La Pomme? De onde veio o nome?
Hahaha! Pergunta proibida! O marido diz que esta pergunta é perigosa porque me empolgo e não consigo colocar um ponto final na minha resposta! Mas é porque amo falar da La Pomme, então vou resumir. Quando viemos para Recife, em 2005, esta atividade foi meio “abafada” pela fotografia, que era o que estava nos envolvendo e tomando praticamente todo nosso tempo. Mas a criação dos produtos sempre estava na minha cabeça, até que em 2009 decidimos que no ano seguinte daríamos tanta importância aos produtos quanto à fotografia. Foi aí que nasceu a La Pomme – nossa loja virtual de personalizados. Este tempo, de quando começamos até o surgimento da La Pomme, foi importante para amadurecer algumas ideias e o próprio conceito de como trabalhar com os personalizados, quais suportes usar para colocar em prática e materializar os conceitos do nosso trabalho.


Tem alguma peça que criou que é especial para você? Você costuma presentear amigos com suas criações? São presentes mais pessoais, com mais sentimentos?
A La Pomme é especial para mim! Cada produto (principalmente os fabricados por nós) tem um gostinho especial. É maravilho ver o rolo de tecido branco se transformar em uma nécessaire ou carteirinha mágica. Ver aquela pilha de papel branco “virar” cadernetas, agendas, objetos cheios de cor e de vida. Todo o processo de criar a estampa, estampá-la no tecido, cortar, colar, costurar, montar, encadernar e ver o produto aparecer na sua frente é mágico. Por fim, embrulhar em papel de seda, fechar com etiqueta, acomodar na caixinha, perfumá-la e adoçá-la com bombons, amarrá-la com uma fita de cetim e entregá-la ao seu dono. E depois de entregá-la, receber sorrisos, receber de volta todo o carinho que colocamos em sua preparação. Isso é especial!
Tudo que faço, mesmo profissionalmente, termina sendo pessoal, porque para mim é difícil estabelecer esse limite: sou 100% sentimento.


 
Em seu dia a dia, como concilia suas tarefas de administradora de loja, mãe, “criativa” e blogueira?
Sinceramente, não sei! Chega o fim de um dia e eu fiz uma infinidade de coisas. Respondi aos e-mails, gerenciei impressão, dei as instruções de produção do dia e supervisionei. Fiz alguns produtos (que só eu faço por aqui). Entrei em contato com fornecedor, criei um produto novo, fiz fotos dos produtos que estão prontos para ser enviados (praticamente tudo o que produzimos é fotografado antes de ser entregue). Fiz almoço, fui pegar e levar a filhota na escola. Tuitei, postei no blog (nos dois), editei as fotos, produzi a sessão de fotos no estúdio, atendi ao telefone. Ufa! Há dias que acho que não vou dar conta. Mas no fim, tudo dá certo. Ainda tenho de preparar material para o blog pessoal, porque ele é bem autoral e só posto coisas produzidas por mim. Não é simplesmente pesquisar e escrever. Tenho de idealizar, criar e produzir, fotografar o que foi produzido e enquanto está sendo produzido, depois escolher, editar as fotos e, por fim, postar. Dá trabalho, mas eu amo. Não consigo me imaginar quieta, parada... E quando o corpo para e a mente não, já acordei várias vezes com uma ideia e levantei para colocar em prática. Já criei produtos mentalmente enquanto tirava um cochilo! E o lance de ser mãe criativa... Eu acho assim: sou uma pessoa criativa, inquieta e curiosa, impossível isso não influenciar na minha condição de mãe!


É possível ser criativa o tempo todo? E no papel de mãe?
Acho que o papel de mãe é o que exige mais criatividade... (risos). Principalmente hoje, num mundo de valores tão trocados, onde você vale o que você tem e não o que você é. Onde o valor das coisas está no quanto ela custou e não no que ela vai lhe proporcionar. Temos muito claro o tipo de educação que queremos dar para a nossa filha e isso requer muita criatividade, muita dedicação, muito jogo de cintura para mostrar a ela nossos valores sem causar um choque de realidade, nem frustrações muito grandes.
Nunca tinha parado para pensar sobre isso de ser criativa o tempo todo, ou não. Acho que criatividade é algo que se exercita, é estar sempre atento e manter os olhos abertos e enxergar além. Vejo possibilidades e me inspiro em tudo o que me rodeia, filmes, livros, música, internet. Tenho ideias quando vejo um portão diferente, ou reparo naquele detalhe do telhado de uma casa. Pensando assim é possível ser criativo o tempo todo no sentido de que tudo o que vivemos nos inspira, nos condiciona e interfere na criação.


Você acha importante para uma mãe criar coisas perto dos filhos, incentivando-os ao consumo consciente e à reciclagem?

Super! Eu costumo dizer que crianças não precisam de brinquedos caros, somos nós, os adultos, que criamos e incentivamos estes desejos. Isadora sempre foi muito participativa em tudo o que fazemos. Está sempre criando seus próprios brinquedos, histórias e brincadeiras.
A criança é reflexo do mundo que vive e reproduz o que vivencia. Se você diz que é preciso economizar água, mas não fecha o chuveiro enquanto se ensaboa ela não vai “entender” o que você “ensinou”. Portanto, é com o ato de repetir a atitude dos pais que vai formando seu caráter, vai definindo suas preferências e escolhendo o repertório de sua vida.

Para finalizar, diga-nos o que significa para você “o fazer em casa/para a casa”.
O “fazer” para mim é mágico, seja para casa, seja para um amigo, seja para um cliente. É como disse: ver algo se transformar em outro com minhas mãos me fascina. Criar, produzir, transformar, pintar, colar, construir é a forma de mostrar minha visão de mundo. Cada coisa que produzo, seja para mim ou não, está permeada pelos meus pensamentos e sentimentos, carrega a minha energia. Agora, imagina toda esta carga “do meu eu” nas coisas da minha casa! Parece meio narcisista, e pode até ser, mas isso enche a minha casa com riquezas que não têm valor, cada peça tem uma história, cada coisa tem um porquê.

Entrevista publicada na edição nº 2 da revista Manual Flávia Ferrari.

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