terça-feira, 9 de junho de 2009

Arcos: plástica característica do Estádio Olímpico João Havelange


Entrevista realizada para a revista Arquitetura & Aço, edição n° 16, dezembro de 2008, sobre a cobertura do Estádio Olímpico João Havelange, Rio de Janeiro, com o arquiteto Carlos Porto, do escritório Carlos Porto Arquitetos Ltda.

Como surgiu a ideia da cobertura atirantada por arcos, que é a característica plástica principal do Estádio Olímpico João Havelante?
É difícil para um arquiteto precisar o momento em que uma ideia, que resolva um problema de projeto, surge. De uma certa maneira, o processo se faz por aproximações sucessivas. Pelo menos para mim, não aparece assim de estalo. Quando você percebe, a mão com o lápis está como que procurando o desenho que começa a se formar na sua cabeça. E isso vai acontecendo aos poucos. Vai tomando forma e, num determinado momento, aparece o desenho que materializa a solução que você queria. Agora, todo o arquiteto, todo o artista em seu processo criador, tem suas próprias referências pessoais e profissionais, referências que vão se acumulando ao longo de sua carreira, desde os primeiros anos de faculdade, e das quais faz uso, muitas vezes inconsciente, ao lançar os primeiros traços de seu novo trabalho. No meu caso, se eu fosse buscar as referências mais significativas entre os diversos estádios esportivos que conheci, encontraria o projeto apresentado por Oscar Niemeyer, em 1941, para o Concurso para o Estádio Nacional, nos terrenos do Derby Club, onde foi construído o Maracanã. Um belo projeto, com um grande e único arco de concreto, sustentando o enorme balanço da cobertura.

Proposta para cobertura do Estádio Nacional por Oscar Niemeyer, à direita

No nosso caso, o Estádio Olímpico João Havelange é o resultado de três projetos diferenciados que se sucederam guardando uma característica inconfundível e comum a todos: a sustentação da ampla cobertura por quatro ou até oito arcos metálicos apoiados em pilares externos ao seu contorno e que se ajustavam tanto na diagonal quanto formando ângulos retos entre si.
Ele começou a se desenhar no final do ano de 1995, na Riourbe, uma empresa da Prefeitura do Rio, quando o projeto que elaboramos serviria para um estádio de futebol para 50 mil espectadores em um terreno na Barra. Naquela ocasião, o Memorial Descritivo do Estádio já destacava, entre as suas principais características, a grande cobertura metálica “sustentada por quatro grandes arcos, também metálicos, em sistema de cabos estaiados, conferindo ao coroamento a monumentalidade requerida”, segundo os termos então empregados.


Projeto, versão 1995, à esquerda

Depois, no correr de 1996 e já com vistas à preparação da candidatura do Rio para as Olimpíadas de 2004, fizemos uma outra versão do estádio, já então com as pistas de atletismo exigidas para as competições internacionais que ali estavam previstas, tendo tido sua imagem amplamente divulgada pela imprensa. Com o posterior esvaziamento da candidatura olímpica da cidade, o processo de sua construção foi transferido para outra oportunidade futura.
Esta ocasião surgiu no final de 2002, com a escolha do Rio de Janeiro para sede dos Jogos Panamericanos de 2007. Naquele momento, a Prefeitura nos solicitou, então, que estudássemos um outro projeto para a atualização das ideias anteriores. Foi assim que surgiu o estádio para o Pan-2007, com essa nova formatação - projetado pelos arquitetos Carlos Porto, Geraldo Lopes, Gilson Santos e José R. Ferreira Gomes – e tendo uma capacidade inicial para 45 mil espectadores e previsão para um possível acréscimo de mais 15 mil lugares, chegando assim aos 60 mil lugares, no terreno de 200 mil m², localizado em frente à Estação do Engenho de Dentro.

Como esta ideia foi solucionada? Qual a dimensão dos vãos?
A bem dizer, a ideia já nasceu com sua solução estrutural clara e definida. O que fizemos depois, em conjunto com a equipe de calculistas, tanto de concreto quando da cobertura metálica propriamente dita, foi ajustar o dimensionamento dos componentes mais significativos, do ponto de vista plástico, como, por exemplo, os gigantes de concreto que sustentam e apoiam os arcos, o diâmetro dos arcos e dos tirantes, os aparelhos de apoio e assim por diante. No caso dos vãos entre os apoios dos arcos da cobertura ficamos com 221 m para os arcos maiores e 163 m para os menores. Um trabalho que, como sempre acontece, era ajustado diariamente com as equipes de montagem no canteiro, com várias interferências, especialmente quanto aos prazos de todas as etapas de execução, o que nos remetia sempre à escolha preferencial por determinados tipos de escoramentos, de alguns perfis e de chapas a serem calandradas, e ainda das possibilidades técnicas de execução de peças pelos fornecedores contratados. São fatos comuns no andamento de uma obra desta envergadura, cujo trabalho em equipe passa pela sucessão de etapas possíveis, dentro de cronogramas apertadíssimos, como foi o caso. Um ajuste diário entre o sonho imaginado e a realidade possível. Felizmente, o esforço de todos, construtores, projetistas, fiscais e, em especial, dos operários que são os que fazem com que tudo aconteça, foi recompensado. Hoje, no hall principal do Estádio Olímpico João Havelange, os nomes de cada um dos que fizeram aquela obra possível estão lá gravados, numa homenagem especial: administradores, dirigentes, arquitetos, engenheiros, técnicos e os mais de 3 mil operários que trabalham na obra, em todas as etapas de sua execução.

O processo construtivo da cobertura requereu um estudo minucioso, inclusive com testes no Canadá. Fale um pouco sobre este estudo e as soluções encontradas.

Tipologia Estrutural
A estrutura de cobertura do Estádio Olímpico João Havelange é composta por quatro grandes arcos tubulares, os quais, por meio de tirantes de suspensão, suportam 42 tesouras treliçadas de 50 m de comprimento, formando um anel arqueado para apoio do sistema de cobertura.

Arcos lleste-oeste: vão livre de 21 m
- Pendurais suspensão
Arcos norte-sul: vão livre de 163 m
Megacolunas de concreto armado, altura de 4,2 m, seção do tubo 480 x 35 cm.
Esquema estrutural da cobertura
Arcos leste-oeste
Nos setores leste e oeste, temos dois arcos planos com vão livre de 221 m, formados por perfis tubulares com 2.000 mm de diâmetro e espessuras variando de 22 a 25 mm; cada arco é estabilizado por tirante inferior tensionado composto por tubo com diâmetro de 800 mm e espessura de 19 mm.
A flecha entre arcos e tirantes é de 31,40 m; estes conjuntos estão apoiados em megacolunas de concreto armado com seção tubular circular; as colunas têm altura de 42 m, diâmetro de 4,80 m e espessura da parede de 35 cm.
Arcos norte-sul
Nos setores norte e sul temos dois arcos planos com vão livre de 163 m, formados por perfis tubulares com 2.000 mm de diâmetro e espessuras variando de 19 a 25 mm. Cada arco é estabilizado por tirante inferior tensionado composto por tubo com diâmetro de 800 mm e espessura de 19 mm.
Túnel de vento
Para a determinação correta do efeito de vento sobre a cobertura, foram realizados testes em modelo reduzido no túnel de vento do laboratório RWDI, no Canadá, e após várias análises determinou-se a adoção de 16 carregamentos.
Tesouras
A cobertura é composta por 42 tesouras, com comprimento de 50 m, que coincidem a cada dois pórticos de concreto do estádio. As tesouras estão espaçadas aproximadamente 20 m e interligadas por joists, que por sua vez travam as tesouras e recebem o sistema de cobertura.

Qual o papel do aço nesse projeto e como ajudou a agilizar a obra?
Quando, no século 19, acontece uma grande demanda por eventos de massa para o público das capitais e os empresários procuravam canalizar este desejo, as novas tecnologias construtivas facilitaram a construção de grandes estruturas. Esse momento coincide com o emprego do ferro conjugado com o vidro na construção, quando surgiram as enormes pontes e as estações ferroviárias, as galerias envidraçadas e os espetaculares pavilhões das feiras internacionais. Desta forma, o aço sempre esteve ligado, desde a origem, a essas possibilidades oferecidas pelas novas técnicas, então disponíveis. No campo dos esportes, esse ímpeto chegou por meio da reedição das Olimpíadas, com a proposta do Barão de Coubertin, para os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna, realizados em Atenas, em 1896. No entanto, esses primeiros estádios do século 19 eram um assunto, por assim dizer, da engenharia. Ainda que soberbas estruturas tenham sido levantadas, essa limitação levava a uma desnecessária restrição quando se imagina as possibilidades que o tema oferece. Na verdade, os estádios não são apenas trabalhos de engenharia, mas antes de tudo a expressão da cultura popular e esportiva. Mesmo quando classificados como um tipo de arquitetura utilitária, eles têm renovado seus laços com a arquitetura. Os últimos exemplos de Atenas 2004 e Beijing 2008 estão aí para nos mostrar o poder dessa poderosa associação entre a arte e a técnica.
Sabemos que a acomodação de multidões exige uma complexidade técnica e logística da mesma forma que um significado social e simbólico. Os vários modelos e exemplos dessas estruturas executadas podem ser lembradas não apenas por terem sediados eventos importantes, mas por possuírem aquelas qualidades arquitetônicas que são a essência dos grandes projetos preparados para os grandes fatos e feitos esportivos da Humanidade: monumentalidade, liturgia, significado, grandeza, porte e presença marcante. Um estádio de alta qualidade é um fator importante na disputa competitiva entre cidades, e sua arquitetura se reflete de grande significado. São estruturas de alta significação e representatividade para elevação da autoestima de uma cidade ou mesmo de países. Portanto, o desenho do Estádio Olímpico João Havelange envolve mais do que apenas sua simples construção, muito mais do que isso. Ele espelha o profundo significado que tem o esporte em nossa cultura e, em especial, responde a uma vocação que é muito forte e intrínseca da nossa cidade, uma vocação para a celebração nos seus espaços livres das ruas e das praças, da nossa alegria musical e espontânea, que se traduz por essa paixão com que sabemos celebrar os nossos maiores feitos esportivos.

Especificações técnicas da cobertura do Estádio Olímpico João Havelange
Devido à complexidade do projeto e diversidade do comportamento estrutural, foram utilizados quase todos os perfis e chapas disponíveis no mercado brasileiro, tendo inclusive a inovação no uso de joists com perfis laminados de pequeno porte (PEL).
- Tubos dos arcos e chapas em geral: aço USI SAC 300 (patinável)
- Tesouras
Banzos: perfis laminados ASTM A 572- Grau 50 (Gerdau e Açominas)
Diagonais e montantes: tubos de seção circular, tubos sem costura VM 300-COR e tubos com costura USI SAC 300
- Joists
Banzos: perfis laminados ASTM A 588- PEL (Gerdau)
Diagonais e montantes: perfis dobrados a frio com aço USI SAC 300
- Pendurais de ligação: arcos e tesouras USI SAC 300 (patinável)
- Parafusos: ASTM A 325 – tipo 03 - elementos principais
Deformabilidade e tensões de trabalho
Foram desenvolvidos mais de 500 modelos estruturais com o objetivo de varrer todas as possibilidades de carregamento e de montagem.
A flecha entre arcos e tirantes é de 23,18 m; estes conjuntos estão apoiados em megacolunas de concreto armado com seção tubular circular; as colunas têm altura de 42 m, diâmetro de 4,80 m e espessura da parede de 35 cm
Detalhes construtivos
Em razão dos grandes esforços solicitantes nos elementos estruturais e suas respectivas ligações, um cuidado especial foi tomado no desenvolvimento dos detalhes construtivos, resultando em peças de grande impacto visual.

Observações finais
Características
Nome da Edificação: Estádio Olímpico João Havelange
Localização: Rua Arquias Cordeiro s/nº, Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, RJ
Data de conclusão: junho 2007
Área total: 182.371,00 m²
Número de pavimentos: 6
Capacidade: 45 mil espectadores
Quantidade de aço utilizado: 3.700 toneladas

O Estádio por Carlos Porto
O Estádio Olímpico João Havelange é do tipo multifuncional, tem forma ovalada com eixos que medem 284 m e 232 m, sem considerar o conjunto de rampas externas. A sua cobertura é metálica, suspensa e atirantada em um conjunto de quatro grandiosos arcos tubulares de aço com 2 m de diâmetro, cobrindo a totalidade da plateia e foi projetado em seis níveis principais, dispondo de um prédio administrativo anexo com salas de apoio às suas várias funções e de uma garage em dois níveis, na cobertura da qual se localiza a área de aquecimento externo de atletas e suas instalações atendem às mais rigorosas normas internacionais de segurança e conforto exigidas para competições de alto nível.
As áreas totais construídas somam 182 mil m² e a projeção do estádio com seus anexos ocupa cerca de 47% da área do terreno compreendido entre as ruas Arquias Cordeiro, José dos Reis, Dr.Padilha e das Oficinas, onde está implantado.
A sua localização em área densamente ocupada e em processo de transformação urbana iniciou uma verdadeira renovação na região, com a melhoria do sistema viário, calçadas e passeios, da drenagem, iluminação e serviços públicos, arborização e sinalização, entre outras. Cuidados especiais ainda devem ser tomados, numa escala de planejamento e intervenções mais abrangentes, para que o tecido urbano e social onde estará inserido possa ser preparado para usufruir integralmente dos benefícios que proporciona.
Estamos atravessando um momento interessante e único na história, no qual podemos associar as mais sofisticadas inovações tecnológicas disponíveis com uma multiplicidade quase ilimitada de possibilidades criativas oferecidas pelos novos materiais e pelas técnicas construtivas mais avançadas. A nós, arquitetos, são oferecidos limites cada vez mais amplos para que possamos transformar em realidade concreta as nossas ideias mais ousadas. Como as que, no nosso caso, pudemos reunir num mesmo edifício: os quatro imensos arcos brancos, as ondulações leves e elegantes das formas de sua cobertura e a estrutura esbelta de concreto das arquibancadas e das circulações do público.
Materializando, assim, quem sabe, na totalidade espacial do conjunto, o risco da trajetória do salto de um atleta que busca superar a altura da barra, o percurso traçado no ar do voo espetacular do goleiro espalmando a bola para escanteio, as caprichosas linhas curvas seguidas pelos pulos da bola quicando no gramado em busca do craque bem colocado e os gestos ondulados dos braços e das mãos da multidão saldando seus times do coração e seus ídolos maiores. A repetição lúdica e inesperada dos arcos do Estádio Olímpico João Havelange, que são a sua marca inconfundível, parece demonstrar de forma inequívoca o acerto da associação plástica entre a vontade criadora e o rigor matemático do cálculo estrutural, agora tornada possível.

Ficha técnica
Proprietário da obra: Riourbe – Empresa Municipal de Urbanização
Construtoras
Fase 1
Consórcio: Racional/Delta/Recoma
Fase 2
Consórcio: Odebrecht/OAS
Projeto
Arquitetura
Arquitetos:
Carlos Porto / Geraldo Lopes / Gilson Santos / José Raymundo Ferreira Gomes Lopes Santos & Ferreira Gomes Arquitetos e Carlos Porto Arquiteto Ltda.
Rua Visconde de Inhaúma, 50, sala 702, Centro, Rio de Janeiro, RJ
Colaboradores:
Cecilia Moreira / Renato Silveira / Diogo Taddei / Rafael Segond / Marcelo Fernandes / Patrícia Miranda / Paola Saito
Consultoria:
Ellerbe Becket inc., Kansas City, USA
Projeto estrutural
Concreto
Engenheiros:
Bruno Contarini / Cesar Pereira Lopes / Waldir Mello / José Eduardo Queiroz / Nivaldo Santos
Metálica
Concepção e cálculo estrutural, projeto básico:
Flavio D’Alembert
Projeto: Alpha Engenharia de Estruturas
Detalhamento:
Jefferson Andrade
Consultoria:
Tiago Abecasis
Projeto de ar-condicionado e exaustão mecânica
DW Engenharia
Projeto de instalações prediais
MBM Engenharia
Comunicação Visual
Modonovo / Bruno Porto
Fabricantes da estrutura de aço e cobertura
Sulmeta – estrutura das tesouras e joists
Indutech – tubos dos arcos e tirantes
Fiscalização
Riourbe e Secretaria Municipal de Obras
Imagens cedidas por Carlos Porto

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