segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Poesia + Técnica

Por Deborah Peleias, para a revista L+D, edição nº 19

Um grande volume branco construído às margens do Rio Guaíba, em Porto Alegre (RS), abriga três tesouros: a coleção Maria Camargo, com obras de Iberê Camargo, a genialidade arquitetônica de Álvaro Siza e a engenhosidade do projeto luminotécnico das empresas portuguesas GPIC/GOP. É o Museu Iberê Camargo, inaugurado em maio deste ano.
Premiado com o Leão de Ouro da Bienal de Arquitetura de Veneza em 2002, o projeto transformou-se em uma das obras-referência da arquitetura no Brasil. Construído para abrigar as mais de quatro mil obras de Iberê Camargo, um dos maiores artistas brasileiros do século XX, o prédio possui nove salas de exposição, oficina de quadros, auditório e estacionamento subterrâneo.
Para dar vida ao sonho da Fundação Iberê Camargo, foram necessários quase dez anos e o arquiteto português Álvaro Siza foi escolhido por ter – assim como o artista plástico gaúcho – a busca pela perfeição como uma das principais características de seu trabalho. Detalhista, Siza deteve-se também no desenho de algumas luminárias e peças de mobiliário.
A construção ocupa 8.200 m² do espaço de uma antiga pedreira, em terreno doado pela Prefeitura de Porto Alegre e localizado em frente ao Guaíba, cartão-postal da cidade e um dos maiores orgulhos dos porto-alegrenses. À semelhança do Guggenheim Museum, de Nova York, projetado por Frank Lloyd Wright, o trajeto para apreciação das exposições pode ser feito de duas formas: por rampas ou por elevador.
As salas de todos os pisos são abertas para o espaço do átrio, ou encerradas por painéis removíveis com até 4m de altura, permitindo a entrada da luz natural a partir do átrio. As salas do último piso recebem luz natural e artificial através de lanternins constituídos por vidro duplo, com acesso intermediário para limpeza e regulação de luz. O espaço do átrio recebe luz por lanternim situado no terraço e por aberturas para o exterior, posicionadas na parede curva.
O conceito de iluminação presente no projeto arquitetônico de Álvaro Siza impôs aos sistemas de iluminação artificial um comportamento semelhante ao da luz natural. “Assim, o desafio técnico que se apresentou foi dotar os ‘falsos lanternins’ das salas de exposição dos pavimentos 2 e 3 de um sistema de iluminação com funcionamento idêntico ao dos lanternins de luz natural (e artificial) das salas de exposição do pavimento 4. A solução encontrada, após várias experiências em protótipo e em modelos de cáculo (realizados no Dialux)”, explica o engenheiro Alexandre Martins, do escritório GPIC, “foi transformar os falsos lanternins em ‘caixas de luz’, instalando em seu interior linhas de luminárias suspensas a meia altura e voltadas para cima. Com esta técnica, foi possível melhorar significativamente a difusão da luz e a uniformidade na face aparente dos lanternins. Além disso, todos os lanternins (falsos e verdadeiros) possuem trilhos de iluminação ocultos em seu interior que permitem a instalação de projetores, os quais receberam lâmpadas T5 de 28W/840, com temperatura de cor de 4.000K.
Integrado ao sistema de automação do edifício, há também um sistema de controle de iluminação que permite a utilização de cenários pré-programados, todos mantendo a mesma temperatura de cor e IRC de 85%.
Nas rampas de circulação entre os pavimentos das salas de exposição, a iluminação artificial segue o esquema dos lanternins e a solução adotada foi a instalação de fendas de luz com cerca de 600x43mm e 900x43mm, constituídas por molduras de alumínio encaixadas nos tetos falsos com difusores de policarbonato (com lâmpadas T5 14W/840 e T5 21W/840, respectivamente).
O Museu também tem como característica a ser destacada a eficiência energética, segundo Martins. “Diria que é um dos mais eficientes em que nosso escritório trabalhou. São apenas 3W/m² a 6W/m² para todo o edifício, dependendo dos cenários selecionados, muito abaixo do comum em museus, que varia entre 10W e 15W/m², e atende aos padrões internacionais mais exigentes.”
Outro desafio dos projetos de controle ambiental foi o de equilibrar a luz natural – que entra pelos lanternins do pavimento 4 – e manter a temperatura ambiente em níveis ideais para não afetar as obras do artista, cujos materiais são extremamente sensíveis à luz. Tudo foi estudado para que a radiação ultravioleta incidente não afetasse as obras de arte expostas, e a radiação que penetra o edifício tivesse potência inferior a 47 W/m², valor considerado ideal por especialistas.
Tais lanternins são do tipo sanduíche e são constituídos por uma barreira UV em vidro com características especiais, a 1m acima da cobertura; uma segunda barreira UV, e uma terceira, em vidros foscos, posicionados a cerca de 3m abaixo da segunda, garantindo a difusão das luzes natural e artificial. De acordo com o engenheiro, a iluminação artificial destes lanternins é garantida por linhas de luminárias instaladas nos “falsos lanternins”, suspensas em cabos de aço acima dos vidros anteriores, e o sistema de regulagem da luz natural será colocado acima da luz artificial.
A já mencionada busca pela perfeição de Siza se evidencia no cuidado com os detalhes, como as aberturas que o arquiteto posicionou nas rampas que interligam os andares: posicionadas em pontos estratégicos, permitem a apreciação do famoso pôr-do-sol no Rio Guaíba. “Em termos de proteção UV, estas janelas não nos preocuparam tanto, pois estão protegidas nos períodos em que a radiação solar é mais intensa, e ao pôr-do-sol a radiação UV é inofensiva e fortemente atenuada pelos vidros e pela distância entre estes e os locais de exposição”, conclui Alexandre Martins.
Ao integrar a abordagem poética e detalhista de Siza às soluções inteligentes do projeto luminotécnico – que não apenas valoriza as formas esculturais do edifício, mas também as obras nele expostas –, o Museu Iberê Camargo deve se consolidar como um marco na arquitetura de nosso país.

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